A apresentadora, era uma gorducha louçã e baixinha -
rara excepção à regra do Sapiens Sapiens que desde há muito aprendera a
adelgaçar a silhueta, outrora empanturrado de batatas e lípidos. A seu lado pontificava
um velho sábio alto e muito magro, especialista em supercondutores e,
pasme-se... em histórias dos navegadores portugueses! Contudo, a sua paixão
maior era o Cosmos. Ensinava supercondutores... mas sonhava com estrelas e
navegações. Conhecia tão bem as ilhas do céu como as da Terra; a ciência
náutica do Regimento do Astrolábio, como as teorias e as práticas que
levaram o homem a Marte e a primeira caravela à Estrela de Barnard.
Num dos episódios da série, logo após o genérico que mostrava o sisudo
capitão de D. Manuel encavalitado no castelo da popa duma nave espacial pintada
com uma cruz vermelha por cima da sigla A.E.E.A., a jovem perguntou:
-
... Já se avistam as terras da pimenta e do gengibre?
-
Ainda não... ainda não!... -
riu com gosto. -
Mas já o ilustríssimo Gama desespera e vai dizendo que "precisa
de cobrar os alentos à marinharia..."
-
Aos Sapiens a e Sapiens b... quer o senhor
dizer?... Prometendo-lhes "doações" e embalando-os "com
palavras.."; ou presenteando-os "com as tigelas do bom
vinho da terra...?, como em
Os Lusíadas"…
-
Num certo sentido, sim! -
concordou. -
O robot central procedeu à substituição de lubrificantes, nos
componentes mecânicos da nave, particularmente na sonda.... A História
repete-se, sabe?... - fez uma careta. -
Sapiens a
e Sapiens b
mostram-se algo enjoados... com o cheiro dos óleos já rançosos, que se
entranhou nos componentes... Eles são tão humanos, como os bravos marinheiros
da S. Gabriel!...
-
...Capazes de saquear, pilhar, matar... se a tanto der o aroma da canela, o
brilho ofuscaste do oiro?...
Do fundo, por detrás dum e outro, via-se uma imagem quinhentista de naus
e velas redondas e enfunadas. Tratava-se dum extracto dum filme fantástico
recente, baseado nos relatos de "Os Lusíadas", que levavam o
espectador desde as profundezas do Reino de Neptuno, até aos amores de Marte
e Vénus. Ali, a projecção era tridimensional, mas quem estivesse numa
sala adequada, equipada com elementos telé-holográficos (uma versão melhorada
da já caduca realidade virtual), poderia assistir à cena como se vivesse a autenticidade e a ficção dos eventos do século XV.
- Vasco da Gama tinha por missão descobrir a rota
marítima até ao Ganges... apalpar o terreno... lançar as bases de futura colonização... - sugeriu a entrevistadora.
-
Perdão! Quem apalpou o terreno foram o Pero da Covilhã e o Paiva... Vem a
dar ao mesmo!... - aquiesceu. -
Assim acontece agora.
-
Pensa-se em futura colonização?
-
Ai não!... Não se pensa noutra coisa!... Só que a situação agora é bem diferente. Ao contrário do navegador, a
nave não leva armas a bordo, nem sistema nenhum
que possa submeter os filhos da e
Eridanus... Toda e qualquer interferência no planeta lhe é vedada. Só fará
fotografias, mapas, análises... plantará árvores, gramíneas... e não se esqueça
que esta é uma das suas principais missões... se o sistema vegetativo do
planeta permitir!... Mas, e para evitar que as nossas árvores (exóticas... para
ele, mesmo se forem amendoeiras ou pessegueiros...) produzam os efeitos desastrosos que produziram acácias e
eucaliptos, na Europa... -
e isto apenas para citar duas das muitas incompatibilidades que o exotismo
provocou no nosso planeta... -,
só lhe é permitido plantá-las em ilhas desabitadas...
.
em A FEBRE DO OURO, pág 123
A tensão aumenta... quem apalpou???
ResponderEliminar(a espera do próximo capítulo)
abç