O cartógrafo, agora
instalado num grande atelier que o mercador mandara preparar nas
dependências dos escritórios centrais, junto ao rio, ultimava um novo
mapa-mundi e escrevia as derradeiras notas sobre a experiência da viagem,
ficando no entanto por saber se retivera todas as ideias alucinadas que tivera
no meio do mar e da febre... Nada disso fora escrito e a inspiração dada pelo
delírio febril poderia ter sido perdida para sempre no éter sem fim. De todas
as maneiras, a divulgação do que escrevera, ficaria para mais tarde. Velho como
estava, e sem sentir-se com forças para embarcar em nova exposição, contratou,
a expensas do mercador, um jovem recém-formado em matemáticas e trigonometria,
que pudesse ser continuador da sua obra e das suas teorias. Depois procurou
contactar outros sábios nos domínios que interessavam ao recomeço dos
preparativos para a próxima expedição à Ilha das Árvores.
Meses volvidos e no maior
segredo, o atelier do cartógrafo recebia a visita conjunta dos sábios
contratados e do mercador. A reunião fora aprazada para um dia anónimo do
princípio da Primavera, quase seis meses depois da chegada da expedição. O frio
Inverno passara e a Natureza ensaiava os primeiros acordes da sempre renovada
sinfonia de cores e de aromas que fazem avivar as pétalas da memória, os sonhos
adormecidos na letargia pastosa dos cinzentos, a flauta remanescente do pássaro
guardado nos corações. Uma auréola dourada envolvia os caminhos do mar,
projectando-se no rio que ali se abria diante daquele edifício vetusto, rodeado
de barcos, mastros e velas, que são o apelo irresistível das distâncias.
Preparou-se uma elegante mesa que os trouxesse a todos juntos, mas autónomos,
colocando-se estrategicamente nos assentos o nome de cada um, para que tudo
fosse fleumático e pragmático, escolheram-se as gravuras dos veleiros a pôr nas
paredes - a que não faltou um desenho da Ilha dos
Pássaros, e outro, não menos fantasista, da recém descoberta Ilha das Árvores...
-, e o mercador foi, mesmo, ao requinte de
mandar colocar
no centro da mesa uma jarra com as flores já
secas colhidas pelo extinto sábio das ervas, trazidas pelo comandante... (...)
.
em "A FEBRE DO OURO", pág 128
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