segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Plantar relva, nabos e árvores


Durante séculos o homem viajara pelo interior do Sistema Solar, estabelecendo bases definitivas na Lua, em Marte, em Ganimedes e em Titã, o satélite de Saturno. Aprendeu muito, sem dúvida! Aprendera sobretudo uma coisa – evidente antes do evento generalizado dos satélites artificiais: a vida humana é curta e as distâncias galácticas não se compadecem disso. Mesmo no interior do sistema planetário, as viagens até aos mais remotos planetas, levavam anos, senão décadas! Encarar a perspectiva de demandar outros mundos doutras estrelas, levá-lo-ia a ter de tornear a dificuldade de permanecer longe da Terra, durante séculos ou milhares de anos.                   
Teria o homem de ficar para sempre confinado fisicamente ao seu próprio Sistema Solar? Seria essa a verdadeira dimensão de si mesmo, a sua única missão cósmica? Ou seria possível vencer o tempo e a distância? Os astrónomos, os astrofísicos e os engenheiros espaciais julgavam que sim. Mas - essa era a convicção de muitos -, teria de decorrer mais um milhar de anos, até que fosse possível viajar para as estrelas.
Quanto tempo tinha passado desde a certeza da possibilidade de viajar no mar-oceano, no século XIV, de Lisboa a Calecut, até que, tal, viesse a acontecer? Quantos cabos tinham sido vencidos, quanta tormenta, quantos monstros do limite dos horizontes, "quantas lágrimas vertidas no mar salgado!..." ?
Os ensinamentos do passado, contadas ou descontadas as suas verdadeiras proporções - e aqui a relação entre essas proporções era gigantesca -, ajudavam-no, mesmo assim, a alimentar esperanças; mas também a ter receios fundados. Os navios que cruzavam os mares, desde Cheng Ho e os Indonésios, no Oriente, passando pelos Cartagineses, os Fenícios e o mítico Ulisses, ou as naus do Gama e do Magalhães, acabando nos mais velozes paquetes que redescobriam os encantos dos Mares do Sul e a brancura ácida da Antárctida, ou os aeroplanos que desde o capitão Wright até aos ultra-sónicos capazes de dar a volta ao Mundo em poucas horas, pouco serviam - apenas o suficiente, para os eternos sonhadores do mirífico...-, para induzir suposições, neste contexto. Uma coisa é navegar pelo fluido azul da concha do mar e do céu, e mesmo pelo circunscrito espaço interplanetário, a outra é enfrentar o vazio incomensurável dos desertos cósmicos! As primeiras viagens pelo mar tinham sido feitas exactamente à dimensão do Homem, ao limite das suas capacidades, da sua persistência e do seu querer; as galácticas, exponenciavam exorbitantemente os limites humanos, não os da razão e da vontade, mas os do corpo perecível feito de água e cinzas.
Para que fosse possível viajar para as estrelas, teria de ser resolvido o problema da velocidade - o que não parecia difícil - e o problema da capacidade biológica em resistir a acelerações prolongadas muito superiores a 1 g. Aqui residia a principal dificuldade. Para torneá-la teria de ser construída uma nave descomunal, onde fosse possível - de uma maneira ou outra - recriar a gravidade e as demais condições ambientais da Terra e dar-lhe autonomia para centenas, senão milhares de anos. Este tipo de nave seria um autêntico planeta ambulante.
Tecnicamente - diziam os cientistas - seria possível. Requeria apenas tempo e dinheiro. Como a pirâmide de Keops ou a Muralha da China.
Se o tempo não era grande obstáculo para os técnicos (mesmo se uma tal nave tivesse de levar cem anos a ser construída e os seus arquitectos não pudessem jamais admirar essa maravilha última), outro tanto não se passava com o dinheiro. Nenhum dos mais poderosos bancos ou consórcios multinacionais, nenhuma das nações mais ricas, nenhum dos mais excêntricos milionários se mostravam disponíveis para investir somas astronómicas ... de que nem bisneto nem trisneto haveria de ver os resultados - se os visse!...
Os progressos técnicos conseguidos nas últimas décadas - enquanto a Eratóstenes seguia pelo deserto sideral na direcção da Estrela de Barnard - já permitiam que uma moderna nave realizasse o dobro da viagem em menos de 75 anos. O ganho era significativo. Não obstante, esses avanços estariam em breve confrontados com a impossibilidade físico/matemática de se ir mais longe, no aumento da velocidade. E por consequência, na redução do tempo das viagens. Enquanto não fosse possível dar o salto qualitativo e operar um novo meio de propulsão, pouco haveria a esperar. A evolução para um grau superior de combustível - a aniquilação da matéria pela antimatéria, por exemplo - requeria séculos de investigação, até tornar-se exequível.
Mas era tempo de pensar em imigrar, e nada custava, desde logo, enviar uma sonda a Eridanus para plantar relva, nabos e árvores.
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em A FEBRE DO OURO, pág 95

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