– O champanhe! – gritou Li Chang,
excitadíssimo, assim que os écrans retomaram
as imagens do desembarque naquela praia. Os sapiens
esmeravam-se. As cenas eram retransmitidas em todo o seu esplendor de cores, depaysement, surpresa e dimensão.
– Venha o champanhe! – secundou Rita Aboukati, a
socióloga, aproximando-se.
– Então vocês não
sabem que aqui não se bebe champanhe
para comemorar, nem no Tour de France...
mesmo que seja um francês a ganhar!... – disse Gerard Matieu, sustendo a
esbelta senegalesa por um braço.
Janusz Zielinski, o
polaco, foi buscar vodka, e o
radioastrónomo Mendes apressou-se a
desenterrar uma garrafa de medronho de
três quartos de litro, escondida atrás duma resma de dossiers e fotografias de família, junto à parede, e que ostentava um rótulo escrito à mão – mão
amiga e rústica... – que pintava assim:
.
M E D R O N H O D
E M O N C H I Q U E
.
Voltava-se às
origens, desde há muito...
Naquele grupo
restrito, junto dum dos terminais que mostravam imagens em tempo real, o álcool
iria correr, livre e límpido, pelo gargalo, não à falta de copos (que a casa
supria...), mas porque os grandes momentos se comemoram com os fluidos a
escorrer pelos cantos da boca e pelos beiços, como faziam os nossos
antepassados guerreiros, depois da vitória. O único contágio que era preciso
não evitar, era o da plenitude. No entanto, uma pequena hesitação do francês,
serviu para que o radioastrónomo esclarecesse que no seu país tinha sido compreendido "há
centenas de anos" que os "álcoois brancos como o medronho e, muito certamente, o vodka
ou o calvados" – assegurou com
convicção –, matam à nascença toda e qualquer possibilidade de contágio, dos
que bebem pelo mesmo copo!... Daí a expressão matar o bicho, que – segundo ele... – era como se devia começar o
dia!
Enquanto o francês
barafustava inutilmente, afirmando que a expressão era francesa, o desembarque dos nautas do planeta Esmeralda
da ε de Eridanus, passou a monopolizar a atenção dos restantes. À mesma
hora, por todo o mundo, milhões de outros precipitavam-se sobre os receptores,
muito provavelmente comemorando com outros álcoois e outros ritos. As imagens
eram sensacionais. As câmaras de S. Gabriel operavam agora os seus zooms, de sucessivas e judiciosas
aproximações e distanciamentos, de forma a terem os telespectadores da Terra,
uma perfeita visão de conjunto e de pormenor.
– O que eu gostaria
de saber, é se os sapiens têm a
verdadeira noção do que se está a passar... – comentou Rita Aboukati.
– Tudo leva a crer
que sim – disse Mendes. – Os sapiens
"sabem" tudo!... Há certamente uma enormidade de coisas
interessantes a acontecer na grande ilha do Norte, onde uma civilização tecnológica
está em vias de nascer, mas os sapiens
presenteiam-nos com estes
acontecimentos numa ilha... da Idade da
Pedra!... Perceberam que os navegantes estão no limiar das descobertas
marítimas do seu próprio planeta. E isso não é para admirar, pois leram tudo quanto nós conhecemos sobre
as pioneiras viagens oceânicas.
Referiu o achamento
dos Açores, onde os navegantes foram recebidos por grandes pássaros; de Santa
Helena e S. Tomé; da dobragem do Cabo da Boa Esperança que haveria de levar ao
Índico e ao procurado Ganges: da crónica de Vaz de Caminha, que não falava do
almejado ouro nem da prata, mas sim de índios e papagaios... aquando da chegada
a terras de Santa Cruz. O espanto de Cook ante as estátuas descomunais e enigmáticas
da ilha de Páscoa... a descoberta da América...
– E as expedições
de Cheng Ho pelo Pacífico e a à costa oriental de África... no tempo em que os
europeus ainda pensavam que a Terra era quadrada?! – interrompeu o cantonês,
sem esconder alguma irritação, mostrando-se ferido no seu amor próprio e
nacionalismo.
– Sem dúvida que
sim!... – apressou-se a confirmar o rádio-astrónomo. – Mas também... – disse
ainda, abanando repetidamente a cabeça, como quem não entendeu o remoque –, as
viagens de circunvalação da África, protagonizadas por Ibn Majid... que acabou
por ser piloto do Gama, e todos os comportamentos e ritos das civilizações
primitivas da Terra...
Os Aztecas que
adoravam um Sol e uma Lua, em oiro e prata. Os Kinkas para quem o céu era, a um
tempo, o deus e a chuva. Cenas da vida quotidiana dos egípcios do tempo de Ra-Hor-Ahthy – "O Sol Brilhante Nascendo No Horizonte".
Chaco Canyon, onde os Anasazis representaram a super-nova de 1054, num petrógrifo.
Celebrações druidas dos Escoceses, no primeiro dia do ano, e que ainda hoje se
realizam com o mesmo fervor e folclore de há dois milénios. Stonehenge, os
menires celtas, mais os sacrifícios humanos praticados pelos povos da ilha Carolina.
As rodas mágicas de Big Horn e Moose
Mountain, provavelmente observatórios celestes ou templos, feitos de enormes
blocos de pedra chamados dólmens. E a
pirâmide Baphuon de monte Meru... e o santuário olmeca de La Venta...
Foi então que os sapiens começaram a mostrar o rio.
.
em A Febre do Ouro, pág 117
Uma ficção bem pé no chão, tanto que, eu, uma pobre mortal terrestre, gostou da temperada salada, herdada dos grandes exploradores (no bom sentido),que foram os navegadores...
ResponderEliminarUm abraço!