A noite
fez-se negra como desde sempre. Apenas duas das quatro pequeníssimas luas se
viam de perfil na abóbada profunda e imemorial; estrelas muitas, algumas
tremulejando e mudando de cor (que tanto tinham intrigado os seus antepassados
e mesmo a ele, ainda hoje... valha a verdade dizer!...). Intimamente, bem no
fundo do coração, sentia o mesmo respeito antigo por tudo quanto vinha com o
escuro do céu, e arrepiou-se de assim desafiar o terrível Deus da Noite. Mas
tinha de ser! Já o fora antes, quando se aventurara para aquela viagem
impensável, e era-o de novo, agora. «Não era a mesma coisa, não!...» - sentiu um arrepio. Não era a mesma coisa andar de
dia... ou de noite, no mar... ou em terra! Mas tinha de ser. Tinha de ser
forte! Pio e forte, temeroso das forças ocultas do bem e do mal, para desbravar
os caminhos que levam à claridade e à luz!
Pelo sim
pelo não, pensou no Deus-Bom, encomendou a alma, jurou-lhe que, como ele,
lutava pela claridade e - estava seguro -, a claridade era um pouco daquela ilha que ele tinha descoberto e que
teria de dominar com a sua força de não temer a Noite.
Juntou
os trinta homens no convés do navio, mais ele próprio e os sábios, - "que só iriam atrapalhar..." pensou -, mas que insistiram em desembarcar com os
exploradores - e botou discurso.
Teria de
convencer aqueles brutos da justeza da sua decisão, teria de convencê-los de que
eles tinham sido nomeados pelo deus, para escrever essa página histórica
e única, falou-lhes da pátria - agora livre -, prometeu-lhes o oiro e a glória e disse-lhes do bom
presságio da estrada de prata. Para esta última, pediu a palavra sábia do sábio
que sabia dos Mundos e das Estrelas. Este, muito sisudo e sem dizer palavra - porque as palavras seriam inúteis...- confirmou a aparição, com um assentimento de cabeça,
solene e cadenciado.
Que
melhor prova podia dar?
Depois
de recapitulado o plano da investida e relembradas as tarefas e as atribuições
de cada um, bateram-se os primeiros remos na água, sincronizando os movimentos
na direcção da embocadura do rio, que a custo se divisava como uma pequena
mancha esbranquiçada fosforescente e ligeira.
As
estrelas brilhavam exuberantemente. A travessia foi breve e sem surpresas.
Apenas o escrivão escrevia qualquer coisa em grandes gatafunhos, do balanço entrecortado do bote onde
seguiam, certamente a fixar para a posteridade as impressões daquele prelúdio
de balbúrdia.
Quando
chegaram à praia e desembarcaram, prepararam os apetrechos e depois
dividiram-se em três grupos: o dos pesquisadores do ouro, uma escolta de oito
atiradores que se colocaria ao longo da orla da planície, junto ao riacho, para defender os garimpeiros caso fosse necessário, e outro, reduzido, que
ficaria na embocadura do rio para cobrir a eventual retirada. Este último grupo
instalou-se atrás duma duna e fora artilhado com dois canhões, um a cada ponta.
.
em A FEBRE DO OURO, pág 116
Bom dia amigo Vieira Calado
ResponderEliminarA beleza da sua escrita completa a outra fase poética que mais tenho lido e saboreado.
Entrei quase sem querer ou então fui arrastado no movimento destes garimpeiros numa sede de ouro.
No fim só podia dizer:
-Sonhar é bom e faz bem...
Precisam-se de sonhos com alma e caminhos para desbravar os nossos medos.
Um grande abraço