terça-feira, 15 de novembro de 2011

A ESTRELA DE BARNARD

8 – Estrela de Barnard
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 "A ideia do futuro é mais fecunda
 que o próprio futuro. "
 Henri Bergson
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Eratóstenes atingiu a Estrela de Barnard, após mais de 50 anos de viagem. Meio século de esquecimento e esperança, pelo vazio virgem do mar sem fim do céu! Quase uma vida... dos menos infelizes passageiros deste mundo! – se razoavelmente preenchido e vivido o seu tempo psicológico...
Colheu dados sobre o espaço interestelar, realizando um sem número de medições e análises – muitas delas tão infinitesimais e tão obscuras, na sua singularidade entre miríades, que seriam a criatura que Diógenes procurava e ninguém soube ao certo se chegou a encontrar... – e acabou por penetrar no campo gravítico da estrela.
Fora uma proeza extraordinária, sem dúvida! Um arrepio de números, tão fundo para cima e para baixo, que atemorizou uma legião crescente de crentes ortodoxos, de não haver sinal dos deuses, pelo caminho, ainda que feitos de éter ou dos últimos quarks dos quarks. Tanto mais extraordinária e impressionante que, só quase sessenta anos depois de ter partido, se soube ao certo que o objectivo fora alcançado.
– Semeámos o quintal da Terra – disse um dia um dos astrofísicos da A.E.E.A., sintetizando o evento. – Agora estamos em condições de plantar árvores nos planetas das estrelas...
Estava-se ainda longe duma tal aventura. A linguagem do sábio era apenas simbólica. Mas profética. Em breve se saberia o resultado das experiências biológicas, feitas ao longo do percurso, correspondiam ao que delas secretamente se esperava.
A Estrela de Barnard, uma anã vermelha (com a tripla de Centauro, são os corpos estelares mais próximos do Sol), achava-se a seis anos-luz, e seria esse o tempo que levariam as mensagens/rádio, vindas da nave, a chegar até nós e trazer a boa-nova da chegada.
A viagem teve o condão de mostrar a exiguidade da nossa existência pueril face às distâncias reinantes, mesmo se considerados apenas os subúrbios do tecto a que chamamos Mundo. Durante longos anos, esse mais de meio século de longa espera, muitos, mas muitos dos que contribuíram para o seu sucesso, já tinham morrido para sempre: eméritos astrofísicos e astrónomos perseguidores do rasto mais ténue do instante zero da Criação; matemáticos manipuladores de cifras tão vastas e avassaladoras que perdem todo e qualquer sentido racional, para emprestarem à singularidade das nossas vidas a visão apocalíptica dum milagre; engenheiros e técnicos de toda a ordem; informáticos capazes de construir máquinas milhões de vezes mais rápidas do que o ápice dos raciocínios humanos.
Só alguns dos mais jovens homens e mulheres que estiveram envolvidos no projecto, sobreviveram ao dilúvio dos segundos que iam monotonamente caindo nos relógios da contagem. Para esses, a suprema dádiva da realidade doutras estrelas e doutros mundos possíveis, na mensagem tão longamente esperada, até ao declinar da vida.
A utopia perdurava, ao longo dos decénios, feita lembrança dos que iam sucessivamente passando ao reino das sombras, e renascia das cinzas, com todos os saberes do passado e todas as madrugadas do futuro.
Os passos tinham sido lentos, mas seguros.
E um dia, um outro dia do amanhã tão próximo e tão longínquo, o sonho de encontrar um berço vazio, ou irmãos vicejando num recanto qualquer da Galáxia, haveria de tornar-se realidade. Talvez então se percebesse o sentido global do Cosmos, o desígnio primeiro da Criação e o seu destino último.
em A Febre do Ouro, pág 78


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