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quinta-feira, 25 de julho de 2013

A PIMENTA E O GENGIBRE


A apresentadora, era uma gorducha louçã e baixinha - rara excepção à regra do Sapiens Sapiens que desde há muito aprendera a adelgaçar a silhueta, outrora empanturrado de batatas e lípidos. A seu lado pontificava um velho sábio alto e muito magro, especialista em supercondutores e, pasme-se... em histórias dos navegadores portugueses! Contudo, a sua paixão maior era o Cosmos. Ensinava supercondutores... mas sonhava com estrelas e navegações. Conhecia tão bem as ilhas do céu como as da Terra; a ciência náutica do Regimento do Astrolábio, como as teorias e as práticas que levaram o homem a Marte e a primeira caravela à Estrela de Barnard.
Num dos episódios da série, logo após o genérico que mostrava o sisudo capitão de D. Manuel encavalitado no castelo da popa duma nave espacial pintada com uma cruz vermelha por cima da sigla A.E.E.A., a jovem perguntou:
- ... Já se avistam as terras da pimenta e do gengibre?
- Ainda não... ainda não!... - riu com gosto. - Mas já o ilustríssimo Gama desespera e vai dizendo que "precisa de cobrar os alentos à marinharia..."
- Aos Sapiens a e Sapiens b... quer o senhor dizer?... Prometendo-lhes "doações" e embalando-os "com palavras.."; ou presenteando-os "com as tigelas do bom vinho da terra...?, como em Os Lusíadas"…
- Num certo sentido, sim! - concordou. - O robot central procedeu à substituição de lubrificantes, nos componentes mecânicos da nave, particularmente na sonda.... A História repete-se, sabe?... - fez uma careta. - Sapiens a e Sapiens b mostram-se algo enjoados... com o cheiro dos óleos já rançosos, que se entranhou nos componentes... Eles são tão humanos, como os bravos marinheiros da S. Gabriel!...
- ...Capazes de saquear, pilhar, matar... se a tanto der o aroma da canela, o brilho ofuscaste do oiro?...
Do fundo, por detrás dum e outro, via-se uma imagem quinhentista de naus e velas redondas e enfunadas. Tratava-se dum extracto dum filme fantástico recente, baseado nos relatos de "Os Lusíadas", que levavam o espectador desde as profundezas do Reino de Neptuno, até aos amores de Marte e Vénus. Ali, a projecção era tridimensional, mas quem estivesse numa sala adequada, equipada com elementos telé-holográficos (uma versão melhorada da já caduca realidade virtual), poderia assistir à cena como se vivesse a autenticidade e a ficção dos eventos do século XV.
- Vasco da Gama tinha por missão descobrir a rota marítima até ao Ganges... apalpar o terreno... lançar as bases de futura colonização... - sugeriu a entrevistadora.
- Perdão! Quem apalpou o terreno foram o Pero da Covilhã e o  Paiva... Vem a dar ao mesmo!... - aquiesceu. - Assim acontece agora.
- Pensa-se em futura colonização?                                        
- Ai não!... Não se pensa noutra coisa!... Só que a situação agora é bem diferente. Ao contrário do navegador, a nave não leva armas a bordo, nem sistema nenhum que possa submeter os filhos da e Eridanus... Toda e qualquer interferência no planeta lhe é vedada. Só fará fotografias, mapas, análises... plantará árvores, gramíneas... e não se esqueça que esta é uma das suas principais missões... se o sistema vegetativo do planeta permitir!... Mas, e para evitar que as nossas árvores (exóticas... para ele, mesmo se forem amendoeiras ou pessegueiros...) produzam os efeitos desastrosos que produziram acácias e eucaliptos, na Europa... - e isto apenas para citar duas das muitas incompatibilidades que o exotismo provocou no nosso planeta... -, só lhe é permitido plantá-las em ilhas desabitadas...
em A FEBRE DO OURO, pág 123

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

S. GABRIEL - nave


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....................... "Uma vez que ultrapassamos as metas,
.................................    já não há limites".
-------------------- Alphonse Allais
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O "Projecto-Tripulado" para a exploração da ɛ de Eridanus - na realidade apenas um estudo preliminar - durante anos alimentado pela fértil imaginação dos cientistas (e também dos visionários), acabou por ser adiado sine die, em detrimento dum veículo automático não-tripulado, capaz de chegar à estrela.
Em sua substituição, cedendo ao que fora oficialmente descrito como "constrangimentos de ordem fisiológica" e, por via disso, aos fabulosos meios financeiros necessários para tornear essas dificuldades, o "Projecto Automático" recebeu luz verde e avançou.
Entretanto, Eratóstenes aproximava-se do fim da viagem. As suas informações tinham sido preciosas; como as de Pero da Covilhã e Afonso de Paiva que chegaram à Terra do Prestes João, arrostando com imensidões e desertos, antes de se saber passar para além do Tormentoso, Oceano Índico acima, rumo às Índias! 
Viajara desde a Terra, rompendo pela imensa planície do Espaço desolado, coabitara com os neutrinos infinitesimais que nascem na alma das Estrelas, os iões rápidos do ouro e do chumbo que anunciam a sua morte, as esparsas nuvens siderais que são o pó das deídes da claridade chegados ao termo da sua transitória missão cósmica. Voara bem alto, pelos caminhos por onde andou Enoch, transportado pelos deuses para observar toda a mecânica do Céu e das Estrelas. Quem sabe se, porventura, o seu cérebro iónico não se inebriara dos vestígios ondulatórios dos primordiais fotões de luz, vindos do princípio do Tempo; se não estremeceu de emoção à flauta dos quasars anunciadores de outros Sóis, doutras vidas vindouras, de pasmo, eles também, pelo milagre de ser!
Eratóstenes - a sonda - verificou a celebrada curvatura do Espaço deduzida pelo sábio Einstein, embora reconhecendo pequenos nadas que levantaram novas suspeitas em relação à Relatividade. Elas tinham repercussões na compreensão do instante zero da Criação, um bilionésimo de segundo depois do Big Bang local, e abriam um campo insuspeitado de concepções teóricas, mormente no que respeita à distribuição inicial da matéria e da antimatéria. Porém, não influíram nas viagens dentro do horizonte fechado das conchas de cima - o Universo actual, em fase de expansão. Para todos os efeitos práticos, o caminho dos céus era isotrópico e homogéneo. E o homem seria capaz de viajar através dele e transportar em segurança a força vital do sémen das sementes para serem plantadas noutros planetas das estrelas.

em A FEBRE DO OURO, Ed. Litoral, pág.166