quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O REGRESSO


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                            "Vindos uns dos outros, os habitantes
                             das diversas ilhas, sofrem de algumas modificações
                                    no decurso da sua descendência"
                                    Darwin (1868)
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Nessa mesma noite, o capitão-mor mandou içar as velas, levantar ferro e zarpar. Invadia-o uma profunda tristeza e uma grande frustração. Como tinha sido possível tudo aquilo? Sentia a cabeça a andar à roda, uma navalha cortante de angústia que lhe subia do peito, um vazio que lhe apoderava o corpo e o imaterializava. Nunca, em tempo nenhum, experimentara uma sensação tão cruel de derrota, um desespero de alma, tão miserável e fundo, no ápice das grandezas que sonhara. O destino lhe despedaçara as certezas mais claras, o deslumbramento mais límpido. Vira o oiro como nunca vira ou imaginara. Tivera-o a seus pés. Tomara-lhe o peso e a embriaguez. Fascinara-se da sua realidade tangível. E perdera-o para sempre..
De onde em onde parecia que o sangue frio voltava, que a força interior dada por tantas perigos antes corridos e vencidos em guerras e tenebras, lhe aligeirava a angústia. Mas logo, quando retratava aquele rio cheio de oiro e o fantasmagórico lapso de tempo onde tudo ficou perdido sem remédio, sentia vontade de chorar - uma grande e inexplicável vontade de agarrar-se a alguém e chorar, num choro inconsolável de criança inocente e infeliz. Não se lembrava de ter-lhe acontecido uma coisa assim, na sua vida! E já tinha passado por tantas balbúrdias e desastres! Tantos sonhos e pavores! Tanta mágoa e morte! Já tinha visto outros dos seus homens perecer nas sangrentas batalhas navais contra as gentes do Norte - aquando da Guerra da Independência - entre a fumarada das bombardas e a algazarra das manobras, entre sangue e sangue, entre alcazins e raiva. Vira o primeiro e formoso veleiro que comandara afundar-se a poucas braçadas da costa, despedaçando-se contra rochedos familiares, sem, contudo, poder evitá-los, desgovernado e à deriva, pela fúria inaudita do vento e mar, sem deuses ou demónios que o pudessem valer; já mesmo, duma vez, se deixara infantilmente apanhar, desarmar e acorrentar que nem um rato, sentindo uma grande vergonha surda pela humilhação a que fora sujeito. Mas nada parecido com aquilo! Haver desembarcado, por milagre ou acaso, mesmo em cima duma mina de oiro e não poder arrancar-lhe senão meia dúzia de míseras pepitas que acabaria por perder na desordem da debandada, quando parecia ter a fortuna e a glória a seus pés! (…)

1 comentário:

  1. O fracasso quebra as almas pequenas e engrandece as grandes, assim como o vento apaga a vela e atiça o fogo da floresta.
    Benjamim Franklin


    Beij0

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