quarta-feira, 19 de junho de 2013

O RESCALDO


(…)
No outro dia, logo pela manhã, procurou o sábio das pedras e o cartógrafo. Tinha de falar com eles. Precisava de saber, o mais depressa possível, se um ou outro tinham algumas ideias, que fossem úteis e que lhe escapassem. Havia muita coisa que não compreendia e talvez eles pudessem aventar algo sobre as causas e os termos do desastre da expedição nocturna. Confiava neles. Confiava neles quando se tratava de ter ideias sobre o que lhe parecia incompreensível, mesmo se – na circunstância – tanto um como o outro, não tivessem vivido a parte mais dramática daquela aventura terrível, tendo ficado na retaguarda e embarcado – como tinha sido decidido antecipadamente, valha a verdade... – logo aos primeiros sinais de perigo. O sábio das pedras ainda estivera junto do primeiro grupo dos garimpeiros, para poder aperceber-se da quantidade total do oiro do rio, mas retrocedera de imediato, quando se ouviram as primeiras setas e tiros, sem poder ver fosse o que fosse.
«Ainda bem que assim foi!... Que préstimo teriam aqueles dois trastes velhos, que até pareciam ter medo só de tocar nas armas... no meio daquela batalha... contra fantasmas?»
Deu com eles debruçados na amurada do navio, olhando o mar e a distância, onde há muito a Ilha das Árvores se sumira. Estacou atrás deles, que pareciam absortos e nada diziam, não parecendo ter dado pela sua chegada, nem pela súbita azáfama dum moço de convés baldeando o tombadilho assim que viu chegar o comandante.
«Que estariam eles a pensar?»
Ficou uns momentos sem saber por onde haveria de começar, particularmente por causa do cartógrafo que dera mostras de ter adivinhado aquele drama, quando foi da questão das bolas de prata. Lamentou não ter-lhe dado ouvidos. O velho tinha mesmo razão. O cepo cortado e as esferas luzidias poderiam ser um altar qualquer a um deus desconhecido. E profanar um templo sagrado é coisa que sempre faz transtornar os espíritos mais pacíficos. (...)

em "A Febre do Ouro", pág 126

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