sexta-feira, 7 de junho de 2013

A caminho do "Mundus Novus"


O engenho prosseguia a caminho do "Mundus Novus". A jornada era longa, monótona, no galgar dos céus. Sem esperança de ver-lhe o fim, para os que o haviam imaginado, concebido e programado, porque o tempo não perdoa e corre inexoravelmente apontando a seta do futuro.
Quando se tivessem escoado os 75 anos de viagem, e talvez na Terra já se sonhasse com novas aventuras no mar sem fim do céu, a S. Gabriel alcançaria a terra almejada. Todos os que lhe haviam dado a vela e a rota, teriam abandonado este mundo para sempre. Ou quase todos. Probabilisticamente, dos envolvidos no projecto, ninguém acreditava que o milagre pudesse vir a dar-se.
- Nunca plantei uma árvore... - confidenciou o sábio, desta vez em tom melancólico. - Agora semeio o oiro da terra nos olhos das crianças, como quem planta um castanheiro para a posteridade...
Assim era. E ele sabia-o melhor que ninguém. Viriam novas madrugadas, o sempre renovado voo das aves rasando a recta dos telhados... alguém que chega, feito de sonhos e mãos de água... alguém que parte desfeito em cinzas e quimeras... Mas o homem não pára na perseguição dos grandes segredos de si mesmo e da Criação, na infinita ânsia do absoluto. De geração em geração se vai construindo a imagem do Cosmos, a dimensão do tempo passado e do tempo futuro, o seu fluir fantasmagórico, o sopro sempiterno que vai dando vida às flores e ao sonho. O infinito alarga-se, feito de pequenos-nadas: a amiba, o peixe, o rastejante incapaz de se aperceber do voo da águia, o ser-pensante que parte vogando pelos mares e pelos céus...
- Que tempo leva uma dessas árvores a dar fruto? - perguntou o jornalista.
- Depende da árvore. De qualquer maneira... só daqui a uns vinte ou trinta anos podemos saber se elas cresceram...
- É tudo tão lento... - observou, e dir-se-ia que tinha lido o Eça, ou ouvido o José Fernandes em pessoa...
O sábio fitou-o em silêncio, durante segundos. Uma grande nostalgia reverberava dos seus olhos e palavras.
- Somos deste mundo só na medida em que perpetuamos o nosso sémen nas filhas dos deuses... - disse, como quem recita um poema. - E seremos nós "os filhos dos deuses", um dia, a nos unirmos "às filhas mais belas dos homens" da epsilon de Eridanus, que é o que se depreende do relato dos acontecimentos ocorridos junto à nascente do Eufrates, ou na Bíblia?
O jornalista sorriu. Mas não terá percebido nada, da citação.
» Claro que sim!... - o astrofísico respondia-se a si próprio - se atentarmos ao sentido metafórico destas minhas palavras...       
- O que eu queria perguntar, é se acha possível encontrarmos uma civilização um pouco mais avançada que a nossa... ou, pelo menos...                                                                           
- Ah, não! Julgo que não. A existir vida inteligente – esclareceu o cientista - essa gente deve encontrar-se num qualquer estádio anterior à utilização das ondas hertzianas. Se assim não fosse... as nossas rádio-antenas já teriam captado alguns dos seus sinais... Pode escrever no seu jornal que eu não creio que jamais tenhamos sido visitados por quem quer que seja, vindo de tão perto... Nem acredito minimamente nos acontecimentos narrados pelo Livro de Enoch, nem pela Bíblia, nem em todos os outros relatos apócrifos ou não, sagrados ou profanos... que se referem a extraterrestres...
Pôs-se com um ar muito bem disposto, luziam-lhe os olhos e esboçava um sorriso voluptuoso, enquanto dizia:
» ... Porque é que se foram embora da Terra -  disse, referindo-se aos Heloins - ... se até tiveram a suprema felicidade de agradar às "mais belas filhas dos homens"?... Se foi só para desfrutar dumas férias exóticas... rodeados das mais lindas mulheres, porque não voltaram? - ajuntou, rindo..
- Diz-se que era uma civilização em vias de extinguir-se...
- Mais uma razão para terem ficado. Se se uniram às mulheres da Terra e delas geraram filhos, é porque respiram o nosso ar, dependem do mesmo tipo de alimentação, funcionam bem às nossas pressões e temperaturas, etc, etc... Que sejam biologicamente iguais a nós, é admissível e mesmo provável. Mas as probabilidades de haver seres inteligentes com o nosso ADN, morfológica e fisionomicamente iguais a nós, noutros mundos, mesmo distantes, são nulas. É justamente por essa razão que eu não acredito nessa patetice! Não faz sentido...
- Nunca tinha pensado nisso...
- É pura mitologia, meu caro! Como pura mitologia é a Ilha dos Amores, descrita em "Os Lusíadas" aonde aportou o Gama.
- O que deu o nome à nave?
- Sim. São Gabriel, uma das naus de Vasco da Gama. Um português do século XV que descobriu a maneira de chegar às Índias, por mar... Se tem acontecido o descrito na Ilha dos Amores... - disse, depois duma pausa - esses garbosos marinheiros... nunca mais teriam voltado a casa! - depois, perguntando com ar maroto de mancebo. - Você voltava?
- Estou a lembrar-me da Odisseia... da Ilíada... - disse o outro, para dizer qualquer coisa, visivelmente embaraçado, como menina pudica. 
- Mas essas duas situações fantasiosas eram, mesmo assim, possíveis!... Tudo isso se passou sob o signo da mesma estrela, no mesmo planeta. De todas as maneiras, se os presumíveis extraterrestres foram aceites de bom grado pelos homens das nossas mulheres... ou pelo menos tolerados... é porque eram deuses, ou tomados como tal, e só nessa condição foram aceites...
- Não acredita então, que jamais tenhamos sido visitados?
- Eu não disse isso! O que eu disse foi que nunca fomos visitados por extraterrestres vindos duma estrela próxima, nas condições relatadas. Mas admito que poderíamos ter sido visitados por habitantes da Galáxia, vindos de muito longe. As descrições dos tempos bíblicos não fazem sentido. Tais civilizações não interfeririam minimamente na nossa vida. É inconcebível que o tivessem feito duma maneira tão grosseira. Mas mesmo que o fizessem, e para desfazer dúvidas injustificadas, deveriam deixar a prova científica de que cá estiveram, de que não eram deuses. Por ora ainda não foi encontrado nada na Terra, nem na Lua, nem no espaço próximo - parou, como que a lembrar-se se alguma coisa. - Os outros... para cá chegarem, impelidos por alguma missão cósmica, teriam de possuir uma tecnologia que não está ao nosso alcance, nem por sombras... e nós certamente nem daríamos por eles... se eles não o quisessem!... De resto - disse - é isso o que irá acontecer à S. Gabriel, se encontrar vida inteligente...
- Não irá interferir na vida deles?...
- Conhece as palavras de Goethe: "Que beleza haveria em lutar / contra os deuses poderosos...?" – perguntou e ele próprio deu a resposta. - Não!... Não temos esse direito! Somos fortes demais para abusarmos da nossa força. - depois, para dar sentido à citação: - E não acha que os deuses também não terão o direito de interferir nas nossas vidas?
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em A Febre do Ouro, pág 140

3 comentários:

  1. O que é mais assustador?
    A idéia de extraterrestres em mundos estranhos,
    ou a idéia de que, em todo este imenso universo,
    nós estamos sozinhos?
    Carl Sagan

    abç

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  2. Estaremos sós? Não creio....
    Estudiosos descobrem cada vez mais evidências....
    Meu bom amigo,
    fui obrigada a sair do Blogger pois estava a receber comentários indecentes e ofensivos. Agora estou principalmente em
    Blueshell.azurara.net

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  3. Creio sim,que existem incontáveis mundos habitados. O nosso é um dos mais atrasados, somos ainda , homens das cavernas... Vieira, abraços!

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