quarta-feira, 8 de maio de 2013

NOVA EXPEDIÇÃO


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                                      "Se começaram assim, nada os impedirá,
                                      de futuro, de realizarem todos os seus projectos"
                                      Génesis 11,6
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Os tempos que se seguiram foram de um enorme alvoroço. A descoberta da Ilha das Árvores - mesmo se escamoteada grande parte da informação sobre os aspectos mais interessantes da terra nova - causou uma autêntica disputa na concepção dos deuses, das suas leis e desígnios, junto da comunidade religiosa da época. Ao fim de pouco menos dum ano, começaram a desenhar-se as primeiras linhas dum grande cisma que punha frente a frente uns poucos (que passaram a universalizar a crença num Sol único, omnipresente) e dos que, pura e simplesmente, rejeitavam como fantasiosa e demoníaca a ideia de se ter chegado a um outro mundo.
Aí, constou mesmo, que outro poderoso mercador do Reino do Norte, se preparava, ele também, para navegar para os Mares do Sul, pois, passada a confusão atónita das primeiras notícias, passou a correr de boca em boca que a esquadra tinha chegado a um lugar sagrado, onde se via nascer e morrer o Sol sobre o mar, e que era uma fortaleza repleta de oiro, guardada por entes sobrenaturais que defendiam o Reino do Sol
Certamente que tinha havido fuga de informação. Algum dos marinheiros dera com a língua nos dentes! Contudo, para chegar à Ilha das Árvores - e até mesmo à Ilha dos Pássaros - seria necessário que o tal mercador do Reino do Norte estivesse também na posse de informações náuticas e astronómicas, que eram só conhecidas do cartógrafo e do capitão. Ademais, o conhecimento do rumo certo para aportar à Ilha dos Pássaros, e mais tarde à Ilha das Árvores, requeria o referencial do voo dos pássaros imigrantes. E este aspecto nunca fora referido. A marinharia tampouco o soubera. Esse segredo era, porventura, o mais ciosamente guardado.
O cartógrafo, agora instalado num grande atelier que o mercador mandara preparar nas dependências dos escritórios centrais, junto ao rio, ultimava um novo mapa-mundi e escrevia as derradeiras notas sobre a experiência da viagem, ficando no entanto por saber se retivera todas as ideias alucinadas que tivera no meio do mar e da febre... Nada disso fora escrito e a inspiração dada pelo delírio febril poderia ter sido perdida para sempre no éter sem fim. De todas as maneiras, a divulgação do que escrevera, ficaria para mais tarde. Velho como estava, e sem sentir-se com forças para embarcar em nova exposição, contratou, a expensas do mercador, um jovem recém formado em matemáticas e trigonometria, que pudesse ser continuador da sua obra e das suas teorias. Depois procurou contactar outros sábios nos domínios que interessavam ao recomeço dos preparativos para a próxima expedição à Ilha das Árvores.
Meses volvidos e no maior segredo, o atelier do cartógrafo recebia a visita conjunta dos sábios contratados e do mercador. A reunião fora aprazada para um dia anónimo do princípio da Primavera, quase seis meses depois da chegada da expedição. O frio Inverno passara e a Natureza ensaiava os primeiros acordes da sempre renovada sinfonia de cores e de aromas que fazem avivar as pétalas da memória, os sonhos adormecidos na letargia pastosa dos cinzentos, a flauta remanescente do pássaro guardado nos corações. Uma auréola dourada envolvia os caminhos do mar, projectando-se no rio que ali se abria diante daquele edifício vetusto, rodeado de barcos, mastros e velas, que são o apelo irresistível das distâncias. 
Preparou-se uma elegante mesa que os trouxesse a todos juntos, mas autónomos, colocando-se estrategicamente nos assentos o nome de cada um, para que tudo fosse fleumático e pragmático, escolheram-se as gravuras dos veleiros a pôr nas paredes - a que não faltou um desenho da Ilha dos Pássaros, e outro, não menos fantasista, da recém descoberta Ilha das Árvores... -, e o mercador foi, mesmo, ao requinte de mandar colocar no centro da mesa uma jarra com as flores já secas colhidas pelo extinto sábio das ervas, trazidas pelo comandante.
Tratava-se de estudar o presumível envolvimento duma nova viagem e era preciso alindar os espíritos e aligeirar as linhas austeras daquele local de conjecturas apenas cartográficas e espaciais, frias e matemáticas. O bouquet das flores alienígenas conferia uma nota fresca de optimismo misturado de exotismo quanto baste. Pendurados nas paredes, viam-se quadros de veleiros antigos e modernos que incluíam as caravelas que se afoitaram nas salsas águas do Neptuno eridanicus, até ao desconhecido ignoto, ilustrando o carácter incomparável dos que partem à cata de infinitos. Pareciam pássaros, as asas brancas roçando o intangível.
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  em A Febre do Ouro, p 81

3 comentários:

  1. Fantástica, a sua imaginação!
    Eu, cá com os "meus botões", fico a
    vislumbrar a Ilha das Árvores e a Ilha dos Pássaros...
    Adoro, as suas fantasias, "herdadas" dos grandes navegadores lusitanos - especialmente.

    beijo

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  2. Boa Noite Amigo Poeta.
    Li seu comentário no meu blog ,
    e concordo contigo agora é tudo eletrônico .
    Amo os blogs , mais infelizmente mudou para pior temos que unir a ele
    ou ficar parado no tempo.
    Amo fazer e receber visitas os blogs é como nossa casa virtual
    existe sentimento de amigos .
    Enquanto deixamos um recado entramos na sala de estar eu continuo carregando meu blog a menos que um dia não tiver mais essa opção.
    Abraços um abraço da mãe brasileira nesse Domingo dia das mães no Brasil em Portugal foi Domingo passado.

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