O biologista, a não ter ficado para sempre na
planície, teria tido a mesma sensação que teve Darwin, confrontado com a
diversidade biológica dos Galápagos. Em vez dos familiares lagartos-gola...
tinha pela frente um clamidossaurus, em posição de defesa... ou
guerra...
– Pareciam fantasmas!
- Fantasmas?! - o cartógrafo fez um trejeito descrente com os beiços ressequidos.
– Percebi que vocês tinham abatido alguns... - insinuou
- E abatemos! À segunda carga bateram todos em
debandada...
- Vejamos então! - disse o cartógrafo, passando a mão pela testa e procurando
sistematizar os raciocínios. - Vocês foram atacados com setas e essas setas só poderiam ter sido
atiradas por arcos, não é?
- Julgo que sim. Mas também nos atacaram com uma
espécie de puas muitíssimo finas e curtas, que não sei como eram atiradas... À
mão era impossível. Mas nenhum de nós viu os arcos...
Zarabatanas ou setas... ou ambas, tanto faz. Para ele
eram setas.
- Bem!... - comentou o sábio, em jeito de esclarecimento - Vocês foram atacados, não por fantasmas, não por
simples animais, porque uns e outros não poderiam usam flechas nem arcos... mas
por gentes!
- Sim. - disse o marujo, encostando-se à amura, junto ao castelo da popa,
depois de ter dado a impressão que ia dizer que não. - Fomos atacados por gente do outro mundo!
A figura mitológica de Cupido, atirando cândidas setas
aos mortais e abrasando corações incautos, nunca se desenhara na mente dos
ilhéus do Norte. E mesmo que assim fosse, tornava-se evidente que naquela ilha
do Sul, ele teria de ser identificado mais com Plutão... que Vénus!
- Gente de outro mundo, pois!... - precisou o sábio; mas a nuance terá escapado
ao comandante. - Mesmo que fantasmas possam atirar setas com um arco
ou por outro processo qualquer, não é de crer que sejam vulneráveis a balas de
espingarda... - revirou os olhitos espertos na direcção donde vinham
e esboçou um gesto rápido. - Vocês foram atacados pelas mesmas gentes que nos atacaram da primeira
vez, quando desembarcamos na ilha, em pleno dia, no meio das árvores...
A imagem irreal, quase fantasmagórica, daqueles
colossos que povoavam a planície, bailava-lhes a todos no espírito. Eram gigantes desconhecidos que emanavam uma
força telúrica. Tinham-nas visto desde
que chegaram e eram um dos enigmas maiores da ilha. Talvez em si se
encerrassem todos os mistérios que os enleavam, e não fosse possível
compreender os ataques da véspera e o comportamento hostil dos habitantes da
ilha, sem compreender a própria ilha, vegetação, clima e, em última análise, os seus deuses.
No entanto, e por fim, o capitão disse que sim: que se
tratava da mesma gente, quando viu que o sábio das pedras também era dessa
opinião. Porém, revolvido por dentro naquilo que era o seu conhecimento
prático, logo perguntou, com veemência:
- Mas... como podem ter uma
pontaria daquelas... e no escuro?
.
em A FEBRE DO OURO, pág 118
ResponderEliminarUm texto belíssimo.
Adorei ler, pois fiquei presa até que terminasse.
Parabéns
Bom sábado
Bjgrande do lago
Boa noite meu amigo !!!!!
ResponderEliminarSempre gratifica te ler...belo texto ...
bjs mil !!!!!
[envolvente! adorei]
ResponderEliminarabç