domingo, 19 de maio de 2013

HETEROMORFISMO


O biologista, a não ter ficado para sempre na planície, teria tido a mesma sensação que teve Darwin, confrontado com a diversidade biológica dos Galápagos. Em vez dos familiares lagartos-gola... tinha pela frente um clamidossaurus, em posição de defesa... ou guerra...
– Pareciam fantasmas!
- Fantasmas?! - o cartógrafo fez um trejeito descrente com os beiços ressequidos.
– Percebi que vocês tinham abatido alguns... - insinuou
- E abatemos! À segunda carga bateram todos em debandada...
- Vejamos então! - disse o cartógrafo, passando a mão pela testa e procurando sistematizar os raciocínios. - Vocês foram atacados com setas e essas setas só poderiam ter sido atiradas por arcos, não é?     
- Julgo que sim. Mas também nos atacaram com uma espécie de puas muitíssimo finas e curtas, que não sei como eram atiradas... À mão era impossível. Mas nenhum de nós viu os arcos...
Zarabatanas ou setas... ou ambas, tanto faz. Para ele eram setas.
- Bem!... - comentou o sábio, em jeito de esclarecimento - Vocês foram atacados, não por fantasmas, não por simples animais, porque uns e outros não poderiam usam flechas nem arcos... mas por gentes!
 - Sim. - disse o marujo, encostando-se à amura, junto ao castelo da popa, depois de ter dado a impressão que ia dizer que não. - Fomos atacados por gente do outro mundo!
A figura mitológica de Cupido, atirando cândidas setas aos mortais e abrasando corações incautos, nunca se desenhara na mente dos ilhéus do Norte. E mesmo que assim fosse, tornava-se evidente que naquela ilha do Sul, ele teria de ser identificado mais com Plutão... que Vénus!
- Gente de outro mundo, pois!... - precisou o sábio; mas a nuance terá escapado ao comandante. - Mesmo que fantasmas possam atirar setas com um arco ou por outro processo qualquer, não é de crer que sejam vulneráveis a balas de espingarda... - revirou os olhitos espertos na direcção donde vinham e esboçou um gesto rápido. - Vocês foram atacados pelas mesmas gentes que nos atacaram da primeira vez, quando desembarcamos na ilha, em pleno dia, no meio das árvores...
A imagem irreal, quase fantasmagórica, daqueles colossos que povoavam a planície, bailava-lhes a todos no espírito. Eram gigantes desconhecidos que emanavam uma força telúrica. Tinham-nas visto desde   que chegaram e eram um dos enigmas maiores da ilha. Talvez em si se encerrassem todos os mistérios que os enleavam, e não fosse possível compreender os ataques da véspera e o comportamento hostil dos habitantes da ilha, sem compreender a própria ilha, vegetação, clima e, em última análise, os seus deuses.
No entanto, e por fim, o capitão disse que sim: que se tratava da mesma gente, quando viu que o sábio das pedras também era dessa opinião. Porém, revolvido por dentro naquilo que era o seu conhecimento prático, logo perguntou, com veemência:                          
- Mas... como podem ter uma pontaria daquelas... e no escuro?
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em A FEBRE DO OURO, pág 118

3 comentários:


  1. Um texto belíssimo.
    Adorei ler, pois fiquei presa até que terminasse.
    Parabéns

    Bom sábado

    Bjgrande do lago

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  2. Boa noite meu amigo !!!!!
    Sempre gratifica te ler...belo texto ...
    bjs mil !!!!!

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