segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A 2ª VIAGEM

(...)
Depois houve algo que o fez em definitivo aderir às teses dos sábios. Um deles, passada a conturbante entrevista entre ambos - preparada com tanto esmero no seu gabinete de trabalho!...-, levou-o à noite a olhar as luas, por uma dessas lunetas extraordinárias. O que viu deixou-o sem fala. Que estúpido fora em duvidar do que antes já ouvira! As luas eram mesmo ilhas celestes! Quais unhas-dos-pés do deus, nem meias unhas-dos-pés do deus!... Numa delas, então - o sábio explicara-lhe que era a mais pequena (embora parecesse a maior, à vista desarmada, visto ser a mais próxima do planeta-mãe) -, viu, "claramente visto", oceanos, montes e vales e grandes buracos muito redondos figurando bocas de canhão (que o sábio afirmou serem lagoas, às quais iam desaguar rios), onde se desenhavam as sombras do Sol - ainda segundo o sábio.
Embriagado pela súbita ilusão de ter embarcado com Yohannes Kepler na fantástica narrativa do Somnium e ter visto edifícios e gente na pequena lua, ordenou a construção de dois navios, ainda maiores que o anterior, e duma barca para servir de carrego aos mantimentos.
O mesmo velho mestre desenhou as embarcações. Elas foram construídas da melhor madeira das coníferas e folhosas do Reino e aparelhadas da mais moderna palamenta: uma réplica maior da caravela anterior, com duas grandes velas triangulares e uma mesena à popa, implantadas em robustos mastros.
Um ano depois ficaram prontas, começando a ser testadas. Parte da marinharia foi treinada em curtas viagens experimentais, para aperfeiçoar o manejo das velas e do leme, e equipada com espingardas, pois os sábios insistiram na forte possibilidade de haver feras e alimárias e talvez uma espécie qualquer de gente, numa ilha parecida ao Mundo. Procedeu-se a um novo esquema que facilitasse a obtenção de água na Ilha dos Pássaros, aligeirando assim a carga inicial; a missão foi acompanhada dum cartógrafo, um cronista, um biólogo e um mineralogista.
Desta vez, o mercador teve grande dificuldade na alistagem da marinharia - a mesma choldra de maltrapilhos sem mulher e sem norte - muito temerosa do ocorrido com a anterior expedição, não propriamente pelos perigos do mar ou pela perca da vida, mas temente a algum castigo dos deuses, a Eolo ou Febo... com pescoço de tucano, ou ao glhêko-trobê da condenação eterna ao gelo ou ao juízo do fogo, nas beiças das conchas.
Porém, obteve, com facilidade, o acordo de três sábios e um cronista.
O mais fácil de tudo, ainda foi o capitão: não se tratava dum Ulisses sensato e astuto - sendo provavelmente o que mais conviria... - mas um desses aventureiros ambiciosos e destemidos se farejavam lucro abundante, mesmo se, para tanto, tivessem de arrostar com os maiores perigos do mar, ou conluiar arrojadas maquinações. Tinha outras virtudes o capitão: era criatura de fáceis entusiasmos e espírito aberto, por simples exercício de vontade e querer, tomando por verdadeiro o íntimo crer. Desejava firmemente descobrir essa ilha!                                             
(Como poderia ele imaginar que a poucos anos-luz, girando à volta duma estrela amarela semelhante à e de Eridanus, havia uma outra ilha, onde, em tempos idos, outros intrépidos navegadores também partiram direito ao infinito, arrostando tempestades desabridas de medo e solidão, à descoberta de outras terras e outras riquezas?)
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A esses anos-luz dali, no entanto, um pássaro prateado vindo de outro mundo, cruzava o vazio infindo dos mares celestes e seguia na direcção da e de Eridanus.
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em A FEBRE DO OURO, Pág 47

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