segunda-feira, 20 de agosto de 2012

AINDA A PRATA


(…)
Mas a questão principal para todos e, particularmente, para o biólogo, eram as estacas pregadas árvore acima, pois eram reveladoras de inteligência - aliás, já pressentida, pela seara rapada. O facto (ou melhor, os factos), suscitavam enorme curiosidade. E também alguma apreensão de não descortinarem o perigo que elas poderiam representar ou esconder.
O capitão, homem de decisões rápidas e dum salutar sentido prático (no meio daqueles teóricos...), tinha prestado pouca ou nenhuma atenção aos esclarecimentos acerca das coníferas e das folhosas, dados pelo biologista. O que lhe interessava saber era se poderia ir direito às bolas luzidias, sem estar sujeito a perigo que viesse de cima, onde o biólogo tinha dito poder haver gente. Queria certificar-se. Queria saber se sim ou não, haveria alguém empoleirado naquelas árvores. Olhou de soslaio as estacas cravadas em vertical na árvore, e perguntou para os subalternos, já mais calmos e confiantes:
- Algum voluntário para subir lá cima...?
Seria de admitir que tivessem sido os sábios a sugerir tal investigação. Sem embargo, desde logo ficou claro que eles não compartilhavam do espírito de curiosidade do comandante, na presente situação. Via-se-lhes na cara.
O sábio das vidas foi mesmo ao ponto de procurar dissuadi-lo de mandar executar a ordem, mas sem êxito. Como resultado, um dos mais ímpios e destemidos moços de bordo saiu do esquadrão e avançou, com destemor, pronto a cumprir a ordem. (Ficou-se a saber que, se dos presentes alguém tinha ascendente sobre o comandante, não seria certamente o sabedor de passarada e árvores...).
Assim era.
- Penso que é melhor ir ver primeiro as esferas... - lembrou, ciente da sua influência, principalmente do que poderia sugerir na mente do comandante.
E assim foi. O capitão cedia.
O mar tinha sido vencido pela arte de navegar do intrépido capitão, pelo conhecimento do posicionamento e direcção das estrelas, pela agulha magnética do cartógrafo e pela leitura das tabelas de correcções. O comandante não o esquecia. A ciência de um e outro aproximavam-nos. Sem saber bem porquê, sentia-se um ser espacial concreto, fruto das teorias abstractas, das ideias e das conjecturas cósmicas do sábio das trigonometria e das matemáticas. Já o mesmo não se passava em relação aos outros. Pensou mesmo que, sem eles, teria sempre chegado à ilha. A identificação dos pássaros tinha pouco préstimo. Não viu de que pudesse servir-lhe, no futuro. E a participação dos sábios naquela viagem oceânica, em busca da terra almejada e provável - agora achada e palpável... -, não se afigurava, a partir de então, decisiva, ou necessária. Descobrira a ilha. Ele próprio descobriria também as suas riquezas.
- Devemos ir primeiro ver o que mais nos interessa... saber bem onde estamos... compreender o que nos rodeia... - disse ainda o sábio, sugerindo subtilmente a prudência.
Para todos os efeitos práticos (como quem se alivia dum peso sobre as costas...), a árvore deixou de ter interesse para o capitão. Não era de crer que houvesse alguém lá cima, estava convencido. E se houvesse? Não seria realmente melhor ficar cá baixo?...
- Vamos então ver que raio de bolas são aquelas!... - concordou o capitão, que não pensava noutra coisa. Para logo perguntar, com evidente estranheza: - Porque é que esta gente terá quatro bolas de metal em cima duma árvore?
Ninguém respondeu. O caso era intrincado demais. Não era possível saber de que eram feitas as esferas, nem para que serviam. Estava-se ainda um bocado ao largo, longe do último horizonte que a vista podia ver. Porém, após mais alguns passos, o geólogo julgou reconhecer o brilho que luzia claramente em frente dos seus queixos.
- Não me admirava nada... que fossem de prata... - arriscou.
- Quê?... - gritou o comandante.
- Prata! - Para ele dificilmente seria outra coisa: crómio, aço inoxidável, ou alumínio, por exemplo... já que esse metal nem era conhecido dos físicos (ou dos alquimistas?) do planeta da e de Eridanus. Por essas alturas, conheciam ainda menos elementos que os sessenta com que o sábio Mendlief estabeleceu a famosa tábua que na Terra traz o seu nome. Tampouco o mineralogista poderia referir a útil manganina, nem a brilhante alpaca - a suprema mistificação da prata!... -, essa especiosa liga de cobre, zinco e níquel, com que (muito presumivelmente... se me permitem...), um dia... uma certa burguesia do planeta, pretenderá iludir com terrinas e garfos... a sua condição rasca, mediana!...
- Prata?! - O capitão deu um salto, meio esgazeado - É isso! Prata! - berrou ele. E depois virando-se repentinamente para o cartógrafo. - A estrada de prata... lembra-se?
Um súbito mas diferenciado frenesim invadiu os membros do grupo. A situação em que se encontravam - mesmo sem a prata!... - não era para menos, pese embora a rudeza e a ignorância dos marujos (e do próprio capitão), gente de mais ferro e fogo do que de fascínio pelo etéreo, pelo maravilhoso desconhecido de mundos de outro mundo.
Avançaram, pois, agora sem tantas cautelas, hipnotizados pela ideia da prata, seus desígnios e proventos. Havia que dar-lhe prioridade absoluta.
O cartógrafo teve a sensação de sentir uma súbita luva de veludo a passar-lhe pela cara, mas logo - científica e filosoficamente - considerou que isso era apenas um frémito de emoção a perpassar-lhe pelos nervos superexcitados, ante a visão estonteante dum quadro irreal. Para que quereria, aquela gente, quatro bolas de prata, em cima duma árvore? Mas...seriam mesmo de prata, tão resplandecentes, sem sinais de oxidação... ao ar livre?... Que estaria por detrás de tudo aquilo? 
(...)
em A FEBRE DO OURO, pág 104

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