Então, o cartógrafo
levantou-se de novo e foi buscar, ao fundo do atelier, uma bola azul onde estava desenhado um mapa do Mundo, a
Ilha dos Pássaros e uma linha preta representando a costa conhecida da Ilha das
Árvores. Pegou num pauzinho de cré e fez um traço, sempre no mesmo sentido, que
começava na grande cidade capital-porto do Reino do Sul... e aí viria a
terminar... depois duma volta completa!
– Assim!... –
disse.
Parou, para
auscultar o efeito das suas palavras e da revolucionária teoria, ante o olhar,
agora ainda mais aparvalhado, do capitão e do velho mestre.
– As nossas
caravelas... – continuou com voz firme que denotava uma certeza cósmica – hão
de chegar a todo o lado!
Pôs a bola azul em
cima da mesa e completou a asserção, fazendo um gesto envolvente com ambas as
mãos.
» Mais!...
Haveremos de chegar aos Mundos dos Mares Celestes... às Luas...
O velhote construtor
de barcos sentiu um grande arrepio a subir-lhe pela espinha acima, julgando que
ia perder a luz dos olhos. A atmosfera da sala pareceu raiar de espanto e
incredulidade, e o mercador imaginou duas faíscas de loucura a bailar nos olhos
do cartógrafo.
– O senhor está a
exagerar... – comentou o biólogo.
– Não, não!... Não
estou a exagerar, nada!... Sabe que neste preciso momento, há um sábio... que
estuda uma nave... voadora?
– Uma nave
voadora!?... – duvidou o velho mestre, construtor de naves oceânicas, ainda
meio atordoado, mas sentindo que aquilo lhe dizia respeito, mais do que a
ninguém, enquanto o capitão soltava nova gargalhada, para logo se retrair,
sentindo uma pavorosa confusão na cabeça.
– Sim. Uma nave
voadora! Um pássaro... uma passarola...
capaz de elevar-se nos ares e voar até aos Mares
Celestes...
– Espere! – pediu o
armador, debruçando-se sobre a mesa e fazendo um esgar, querendo ler-lhe o
pensamento. – Como é que se pode voar?
– Trata-se, ao que
parece... duma estrutura metálica e em madeira, com umas grandes asas em tela,
ou tecido, que imita o voo dos pássaros. O sábio sustenta que é capaz de voar
sentado dentro dela...
A revelação era
tanto mais estranha, quanto os ilhéus nunca tinham imaginado valquírias,
tapetes voadores das Mil e Uma Noites, bruxas e feiticeiros cavalgando
vassouras, desafiando os ventos na Idade Média, ou aeroplanos no tempo moderno
dalgum outro planeta azul da Galáxia.
– Bom... sejamos
práticos e pacientes, meus senhores... – recomeçou o mercador, com ênfase. – E
não nos afastemos do tema que aqui nos trouxe. O que é realmente importante
para nós, neste momento, é termos desde já a certeza que a gente da Ilha das
Árvores raciocina tão bem como nós... talvez muito melhor... e que não deveremos
desembarcar de novo, de ânimo leve...
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Em A Febre do Ouro, Pág 161
Bem pensado. Sempre tem alguém mais esperto que nós.
ResponderEliminarBeijos!
Saudades daqui!!!!!!!!
ResponderEliminarComo sempre um prazer lê-lo.
Bjs de cá, meu querido.