segunda-feira, 5 de agosto de 2013

UM NOVO MAPA-MUNDI


O cartógrafo, agora instalado num grande atelier que o mercador mandara preparar nas dependências dos escritórios centrais, junto ao rio, ultimava um novo mapa-mundi e escrevia as derradeiras notas sobre a experiência da viagem, ficando no entanto por saber se retivera todas as ideias alucinadas que tivera no meio do mar e da febre... Nada disso fora escrito e a inspiração dada pelo delírio febril poderia ter sido perdida para sempre no éter sem fim. De todas as maneiras, a divulgação do que escrevera, ficaria para mais tarde. Velho como estava, e sem sentir-se com forças para embarcar em nova exposição, contratou, a expensas do mercador, um jovem recém-formado em matemáticas e trigonometria, que pudesse ser continuador da sua obra e das suas teorias. Depois procurou contactar outros sábios nos domínios que interessavam ao recomeço dos preparativos para a próxima expedição à Ilha das Árvores.
Meses volvidos e no maior segredo, o atelier do cartógrafo recebia a visita conjunta dos sábios contratados e do mercador. A reunião fora aprazada para um dia anónimo do princípio da Primavera, quase seis meses depois da chegada da expedição. O frio Inverno passara e a Natureza ensaiava os primeiros acordes da sempre renovada sinfonia de cores e de aromas que fazem avivar as pétalas da memória, os sonhos adormecidos na letargia pastosa dos cinzentos, a flauta remanescente do pássaro guardado nos corações. Uma auréola dourada envolvia os caminhos do mar, projectando-se no rio que ali se abria diante daquele edifício vetusto, rodeado de barcos, mastros e velas, que são o apelo irresistível das distâncias. Preparou-se uma elegante mesa que os trouxesse a todos juntos, mas autónomos, colocando-se estrategicamente nos assentos o nome de cada um, para que tudo fosse fleumático e pragmático, escolheram-se as gravuras dos veleiros a pôr nas paredes - a que não faltou um desenho da Ilha dos Pássaros, e outro, não menos fantasista, da recém descoberta Ilha das Árvores... -, e o mercador foi, mesmo, ao requinte de mandar colocar no centro da mesa uma jarra com as flores já secas colhidas pelo extinto sábio das ervas, trazidas pelo comandante... (...)
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em "A FEBRE DO OURO", pág 128

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