terça-feira, 9 de outubro de 2012

OS PESQUISADORES DE OURO

(...)
A noite fez-se negra como desde sempre. Apenas duas das quatro pequeníssimas luas se viam de perfil na abóbada profunda e imemorial; estrelas muitas, algumas tremulejando e mudando de cor (que tanto tinham intrigado os seus antepassados e mesmo a ele, ainda hoje... valha a verdade dizer!...). Intimamente, bem no fundo do coração, sentia o mesmo respeito antigo por tudo quanto vinha com o escuro do céu, e arrepiou-se de assim desafiar o terrível Deus da Noite. Mas tinha de ser! Já o fora antes, quando se aventurara para aquela viagem impensável, e era-o de novo, agora. «Não era a mesma coisa, não!...» - sentiu um arrepio. Não era a mesma coisa andar de dia... ou de noite, no mar... ou em terra! Mas tinha de ser. Tinha de ser forte! Pio e forte, temeroso das forças ocultas do bem e do mal, para desbravar os caminhos que levam à claridade e à luz!
Pelo sim pelo não, pensou no Deus-Bom, encomendou a alma, jurou-lhe que, como ele, lutava pela claridade e - estava seguro -, a claridade era um pouco daquela ilha que ele tinha descoberto e que teria de dominar com a sua força de não temer a Noite.
Juntou os trinta homens no convés do navio, mais ele próprio e os sábios, - "que só iriam atrapalhar..." pensou -, mas que insistiram em desembarcar com os exploradores - e botou discurso.
Teria de convencer aqueles brutos da justeza da sua decisão, teria de convencê-los de que eles tinham sido nomeados pelo deus, para escrever essa página histórica e única, falou-lhes da pátria - agora livre -, prometeu-lhes o oiro e a glória e disse-lhes do bom presságio da estrada de prata. Para esta última, pediu a palavra sábia do sábio que sabia dos Mundos e das Estrelas. Este, muito sisudo e sem dizer palavra - porque as palavras seriam inúteis...- confirmou a aparição, com um assentimento de cabeça, solene e cadenciado.
Que melhor prova podia dar?
Depois de recapitulado o plano da investida e relembradas as tarefas e as atribuições de cada um, bateram-se os primeiros remos na água, sincronizando os movimentos na direcção da embocadura do rio, que a custo se divisava como uma pequena mancha esbranquiçada fosforescente e ligeira.
As estrelas brilhavam exuberantemente. A travessia foi breve e sem surpresas. Apenas o escrivão escrevia qualquer coisa em grandes gatafunhos, do balanço entrecortado do bote onde seguiam, certamente a fixar para a posteridade as impressões daquele prelúdio de balbúrdia.
Quando chegaram à praia e desembarcaram, prepararam os apetrechos e depois dividiram-se em três grupos: o dos pesquisadores do ouro, uma escolta de oito atiradores que se colocaria ao longo da orla da planície, junto ao riacho, para defender os garimpeiros caso fosse necessário, e outro, reduzido, que ficaria na embocadura do rio para cobrir a eventual retirada. Este último grupo instalou-se atrás duma duna e fora artilhado com dois canhões, um a cada ponta.
em A FEBRE DO OURO, pág 116

1 comentário:

  1. Bom dia amigo Vieira Calado
    A beleza da sua escrita completa a outra fase poética que mais tenho lido e saboreado.

    Entrei quase sem querer ou então fui arrastado no movimento destes garimpeiros numa sede de ouro.
    No fim só podia dizer:
    -Sonhar é bom e faz bem...
    Precisam-se de sonhos com alma e caminhos para desbravar os nossos medos.
    Um grande abraço

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