quinta-feira, 26 de julho de 2012

NA ILHA DAS ÁRVORES

(…)

Os dois sábios olharam-se, suspensos, mas meneando as cabeças em sinal de aprovação. Afinal o sujeito tinha ideias! O raciocínio do marujo, embora linear - e talvez por isso mesmo revelador dum grande sentido prático - parecia exequível e correcto.

Havia, contudo, alguns pontos a aclarar. E o cartógrafo, depois de rememorizar os dados e analisá-los - no ordenador sublime que é o cérebro de quantos animais chegaram ao raciocínio abstracto -, disse ao fim duns instantes:

- O senhor está a partir dum pressuposto que não sabe se é verdadeiro ou falso. Como sabe se os lavradores da planície não moram em cima das árvores? Se assim for, os nossos archotes serão um óptimo alvo.

- No cimo das árvores? - o capitão não estava pelos ajustes. - Tudo quanto sabemos é que durante o dia, de manhã, eles pareciam estar em cima das árvores. Mas de certeza que moram nalguma aldeia ou casas de qualquer espécie, como toda a gente... E essa aldeia deve ser longe, talvez lá para o fim da planície... - e, depois, num repente. - Se morassem no cimo das árvores, não acha que deveriam construir qualquer espécie de habitação que fosse visível cá de baixo?

Sem saber bem porquê, o cartógrafo lembrou-se outra vez da questão do etnocentrismo, ultimamente discutida por alguns jovens filósofos do Reino. A ilha do Mundo era muito igual por todo o lado, embora diferenças de comportamento e cultura fossem bem nítidas em certos lugares específicos. Mas mesmo assim sentiu dificuldade em divorciar-se da grande linha dos hábitos dos seus pares e não viu nenhuma razão para que os habitantes da Ilha das Árvores não vivessem em casas ou aldeias, “como toda a gente”. O que estava, aparentemente, fora de questão, é que aquela terra pudesse ser uma espécie qualquer de “Ilha das Sete Cidades”. A ser habitada por seres inteligentes, eles viviam numa idade de pouco esclarecimento e desenvolvimento, talvez nas Eras Obscuras.

Oanes ainda não passara por ali.

(…)

A Febre do Ouro, pág 98

2 comentários:

  1. Nem sempre nossas fundamentadas razões são as do outro. Excelente forma de nos incentivar a ler o Livro. Abraços.

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  2. Sempre haverão diferenças nos caminhos,,,muito bom e muito reflexivo amigo...abraços de bom final de semana pra ti.

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