quinta-feira, 19 de abril de 2012

A PASSAROLA



Então, o cartógrafo levantou-se de novo e foi buscar, ao fundo do atelier, uma bola azul onde estava desenhado um mapa do Mundo, a Ilha dos Pássaros e uma linha preta representando a costa conhecida da Ilha das Árvores. Pegou num pauzinho de cré e fez um traço, sempre no mesmo sentido, que começava na grande cidade capital-porto do Reino do Sul... e aí viria a terminar... depois duma volta completa!
– Assim!... – disse.
Parou, para auscultar o efeito das suas palavras e da revolucionária teoria, ante o olhar, agora ainda mais aparvalhado, do capitão e do velho mestre.
– As nossas caravelas... – continuou com voz firme que denotava uma certeza cósmica – hão de chegar a todo o lado!
Pôs a bola azul em cima da mesa e completou a asserção, fazendo um gesto envolvente com ambas as mãos.
» Mais!... Haveremos de chegar aos Mundos dos Mares Celestes... às Luas...
O velhote construtor de barcos sentiu um grande arrepio a subir-lhe pela espinha acima, julgando que ia perder a luz dos olhos. A atmosfera da sala pareceu raiar de espanto e incredulidade, e o mercador imaginou duas faíscas de loucura a bailar nos olhos do cartógrafo.
– O senhor está a exagerar... – comentou o biólogo.
– Não, não!... Não estou a exagerar, nada!... Sabe que neste preciso momento, há um sábio... que estuda uma nave... voadora?
– Uma nave voadora!?... – duvidou o velho mestre, construtor de naves oceânicas, ainda meio atordoado, mas sentindo que aquilo lhe dizia respeito, mais do que a ninguém, enquanto o capitão soltava nova gargalhada, para logo se retrair, sentindo uma pavorosa confusão na cabeça.
– Sim. Uma nave voadora! Um pássaro... uma passarola... capaz de elevar-se nos ares e voar até aos Mares Celestes...
– Espere! – pediu o armador, debruçando-se sobre a mesa e fazendo um esgar, querendo ler-lhe o pensamento. – Como é que se pode voar?
– Trata-se, ao que parece... duma estrutura metálica e em madeira, com umas grandes asas em tela, ou tecido, que imita o voo dos pássaros. O sábio sustenta que é capaz de voar sentado dentro dela...
A revelação era tanto mais estranha, quanto os ilhéus nunca tinham imaginado valquírias, tapetes voadores das Mil e Uma Noites, bruxas e feiticeiros cavalgando vassouras, desafiando os ventos na Idade Média, ou aeroplanos no tempo moderno dalgum outro planeta azul da Galáxia.
– Bom... sejamos práticos e pacientes, meus senhores... – recomeçou o mercador, com ênfase. – E não nos afastemos do tema que aqui nos trouxe. O que é realmente importante para nós, neste momento, é termos desde já a certeza que a gente da Ilha das Árvores raciocina tão bem como nós... talvez muito melhor... e que não deveremos desembarcar de novo, de ânimo leve...
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Em A Febre do Ouro, Pág 161

2 comentários:

  1. Bem pensado. Sempre tem alguém mais esperto que nós.
    Beijos!

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  2. Saudades daqui!!!!!!!!
    Como sempre um prazer lê-lo.
    Bjs de cá, meu querido.

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